Hoje, 20 de novembro, é o Dia da Consciência Negra no Brasil, data fundamental para os movimentos negros e a agenda antirracista no país. Trata-se de um dia de reflexão, ação e luta contra as múltiplas desigualdades que afetam diariamente a população negra brasileira, devido ao racismo estrutural. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, pessoa negras são as que têm menor acesso a emprego, educação, segurança e saneamento.
Apesar de datas simbólicas serem importantes para aumentar o debate em torno de um tema, a luta antirracista é um compromisso de todos os dias e se dá em múltiplas frentes. Uma delas é a representação política, uma estratégia importante para diminuir as desigualdades de poder que sustentam muitas outras.
Nos últimos anos, houve avanços importantes neste sentido no Brasil, devido a mecanismos adotados para aumentar a participação de mulheres e pessoas negras em cargos eletivos. Entre as eleições gerais de 2018 e 2022, houve um crescimento de 36,25% de candidaturas negras para a Câmara dos Deputados. Em termos de pessoas eleitas, o aumento foi de 8,94%. Agora, elas ocupam 26% das cadeiras na Casa. Cinquenta e seis por cento das pessoas no Brasil se declaram negras – ou seja, uma desproporção ainda significativa.
O caminho para avançar ainda é longo e tem obstáculos. Este ano, a Câmara aprovou duas medidas que podem ter impactos significativos neste percurso – as chamadas minirreforma eleitoral e a PEC da Anistia. Como não avançaram no Senado, elas não valerão para as eleições locais de 2024. Numa frente paralela, parte significativa da sociedade brasileira se mobilizou para pressionar o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nomear a primeira juíza negra ao Supremo Tribunal Federal. Lula ainda não anunciou sua decisão.
Sobre tudo isso, conversamos com Vanessa Nascimento, presidenta do Instituto de Referência Peregum, organização parceira da Luminate. Nosso trabalho com Peregum inclui seu fortalecimento institucional e o apoio a estratégias de fortalecimento de capacidades para pessoas negras que queiram se preparar para concorrer a cargos públicos em diferentes partidos políticos. Confira abaixo a conversa:
Como é hoje o cenário da representação política de pessoas negras no Brasil? Por que é importante aumentá-la?
Infelizmente o cenário de representação política no Brasil ainda é muito precário. Atualmente, na Câmara Federal, 72% das cadeiras são ocupadas por pessoas brancas, de acordo com dado do Tribunal Superior Eleitoral. Esse número é absolutamente desproporcional à distribuição racial da sociedade brasileira e aponta a fragilidade da nossa democracia. Falamos em fragilidade porque não há explicação além do racismo brasileiro para tamanha desigualdade na representação política.
Essa ausência de representação produz efeitos práticos, como a dificuldade de aprovação de dispositivos que contribuam para a superação do racismo, a aprovação de políticas públicas que garantam avanços nas condições de vida da população negra, mulheres, indígenas, pessoas LGBTQIA+ e tantas outras minorias políticas. Além disso, a ausência de diversidade nesses espaços é certamente um dos fatores que levam a população a ter pouca confiança nas instituições democráticas brasileiras.
Quais medidas deveriam ser adotadas para aumentar a representação política de pessoas negras no país?
Inicialmente é importante destacar os avanços conquistados no último período pelo movimento negro brasileiro no sentido de garantir condições mais justas para a disputa eleitoral. Frisamos aqui a conquista da distribuição proporcional de recursos públicos de campanha e, no mesmo sentido, a divisão de tempo de televisão e rádio para candidaturas negras. Tendo em vista que nas eleições de 2022 nenhum partido político com representação legislativa cumpriu as determinações, certamente a primeira medida a ser adotada é garantir que os partidos cumpram a regra, e que não sejam aprovados projetos que retrocedam na política conquistada.
Você pode explicar do que se trata a chamada minireforma e como ela impacta a representação política de mulheres e pessoas negras?
A chamada minirreforma eleitoral é uma iniciativa legislativa atualmente em tramitação no Congresso Nacional que tem como objetivo alterar dispositivos que disciplinam as eleições no Brasil, sobretudo aqueles que dizem respeito à reserva de vagas para mulheres, à transparência e à prestação de contas eleitorais. Ou seja, ela vai no caminho oposto às demandas de democratização, transparência, e acesso de pessoas negras e mulheres ao sistema eleitoral. Entre os pontos mais graves da proposta estão: a limitação das hipóteses de configuração de fraude às cotas femininas, desconsiderando a complexidade do tema; a mudança para que o cumprimento das cotas seja imposto apenas para as federações partidárias, possibilitando que partidos que compõe a frente partidária não cumpram as cotas; a proibição das candidaturas coletivas sem ampliar o debate com a sociedade civil; e a possibilidade de inserir nas cotas de financiamento feminino as candidaturas majoritárias, podendo criar os fenômenos das vice-candidaturas de mulheres apenas para garantir a utilização do fundo eleitoral.
Como é o trabalho que Peregum faz para aumentar a representação política de pessoas negras no Brasil? Se a minireforma e a PEC da Anistia forem aprovadas, como impactará o trabalho que vocês têm feito?
O Instituto de Referência Negra Peregum produz e contribui em processos de fortalecimento de lideranças representativas da agenda política do movimento negro brasileiro. No ano de 2022, realizou o Projeto de Fortalecimento de Lideranças, que tinha como finalidade fortalecer e formar quadros advindos dos movimentos negros para garantir a participação em melhores condições no processo eleitoral. Através de formações e concessão de bolsas, antes do período eleitoral, foram fortalecidas diretamente 19 lideranças. O Instituto também tem priorizado, em sua estratégia de incidência política, uma mobilização, em conjunto com outros atores sociais, que impeça a aprovação da minirreforma eleitoral e da Proposta de Emenda à Constituição 09 de 2023, que busca conceder anistia aos partidos políticos que não cumpriram as cotas raciais e de gênero nas eleições de 2022. Além disso, a PEC 09 tenta estabelecer a reserva de apenas 20% dos recursos para candidaturas negras, retrocedendo em relação à distribuição proporcional. Certamente, a aprovação da minirreforma e da PEC 09 atinge diretamente os esforços para garantir o ingresso nos cargos eletivos de candidaturas negras e de mulheres.
Qual a importância de ter uma mulher negra no Supremo Tribunal Federal?
Embora as mulheres negras sejam 25,4% da população, nunca houve uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal. Esse fato por si só já deveria ser o suficiente para justificar a imediata nomeação de uma mulher negra ao cargo não eletivo mais importante do país, porque ele demonstra o tamanho do abismo que há entre mulheres negras e homens brancos, e a correção desse abismo precisa estar na agenda antirracista brasileira.
Mas não é só. Se por um lado pessoas negras não ocupam as cadeiras do tribunais brasileiros, por outro lado, são as maiores vítimas de processos de criminalização, da guerra às drogas, da falta de acesso à justiça, e de outras tantas questões que também passam pelas mãos do Judiciário. Quando essas pessoas precisam acessar à justiça, se deparam com um judiciário branco, alheio a questões fundamentais para a maioria da população. Assim, é fundamental defender a presença de mulheres negras ocupando cadeiras no STF para defender um projeto de país que aprofunde a sua democracia.
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